Como lidar com a culpa e o autocobrança
Olá! Eu sou a psicóloga Brunete Gildin e convido você a refletir sobre um tema que afeta muitas pessoas: a culpa e a autocobrança.
Muitas vezes cobramos demais de nós mesmos, ficamos presos a falhas ou “deveres” que internalizamos, e isso afeta nossa saúde mental, nosso bem-estar e nossa qualidade de vida.
O que são culpa e autocobrança?
Primeiramente, a culpa é esse sentimento que surge quando acreditamos que fizemos algo errado ou que poderíamos ter agido de outra forma.
Por outro lado, a autocobrança aparece quando adotamos um padrão interno de exigência permanente — “eu devia ter feito melhor”, “eu deveria dar conta”, “eu não mereço relaxar”.
Estudos apontam que essa combinação pode gerar ansiedade, frustração e sensação de insuficiência. Por exemplo, segundo uma reportagem, “a autocobrança é um traço comum em pessoas com alto senso de responsabilidade, mas pode se tornar um gatilho para ansiedade e frustração”. Uai
Além disso, vimos que em tempos de pandemia e isolamento social, a cobrança por produtividade e desempenho se elevou muito.
Por exemplo, pesquisadores da Universidade Federal do Pará observaram que “surge a autocobrança, e é importante ter em mente que a dificuldade de produzir não é uma falha, e sim algo esperado.” Universidade Federal do Pará
Assim, culpa e autocobrança caminham juntas: a culpa acusa-se por ter feito “menos”, a autocobrança exige “mais”. E, quando entram em desequilíbrio, adoece.
Por que a culpa e a autocobrança se tornam problemas?
Em segundo lugar, devemos entender por que esses sentimentos que, em algum nível, fazem parte da vida humana, podem se transformar em algo negativo.
- Primeiro, porque nos colocamos em padrões irreais: exigimos perfeição ou resultados máximos, esquecendo que somos humanos, com limitações. Uma reportagem intitulada “Busca pela perfeição: como a autocobrança pode afetar seu dia a dia” mostra que “a ação pode resultar em esgotamento psicológico, e no aumento ou surgimento de ansiedade”. SATC+1
- Segundo, porque a culpa mal trabalhada gera autocrítica severa, vergonha, e pode levar a comportamentos reparatórios ou autopunitivos — acreditamos que “deveríamos pagar” ou “merecemos sofrer”.
- Terceiro, porque o contexto social e profissional modernizado valoriza cada vez mais a performance, o resultado imediato, a multitarefa — o que alimenta a autocobrança. Como se houvesse um “dever” de estar sempre bem, sempre produtivo.
Por isso, a culpa + autocobrança podem provocar: insônia, procrastinação, sensação de incompetência, esgotamento, baixa autoestima. E, no longo prazo, podem contribuir para transtornos como ansiedade ou depressão.
Reconhecendo os sinais de que você está se cobrando demais
Agora, vamos para um passo prático: como saber se o seu nível de cobrança ou culpa ultrapassou o saudável? Aqui vão alguns indicadores:
- Logo no início, você sente que “nunca é suficiente”, mesmo após ter feito algo bem feito.
- Em seguida, você evita fazer algo novo porque teme errar ou ser julgado.
- Além disso, você culpa-se por cada deslize, por mínimo que seja, e mantém esse sentimento por muito tempo.
- Também, você percebe que o lazer, o descanso ou o erro não são bem-vindos — sente que está “atrasado”, “deixando para trás”.
- Finalmente, pode haver sintomas físicos ou emocionais: insônia, tensão muscular, irritabilidade, sentimento constante de culpa ou inadequação.
Quando você observar esses sinais, vale lembrar que merece atenção: não se trata apenas de “ser exigente” ou “ser responsável”, mas de cuidar da sua saúde interna. E é nesse contexto que o trabalho clínico da psicóloga Brunete Gildin se torna relevante para muitos.
Como a psicologia junguiana e analítica aborda culpa e autocobrança
Enquanto psicóloga de linha analítica, eu, Brunete Gildin, entendo que culpa e autocobrança possuem também um componente simbólico, ligado à imagem que temos de nós mesmos, ao “self” ideal, ao que chamamos inconsciente coletivo e arquetípico. Por isso, ao lidar com esses temas podemos considerar:
- A culpa pode se manifestar como sombra: aquilo que reprimimos, aquilo que acreditamos que “não podemos ser”.
- A autocobrança pode refletir o arquétipo do “herói” ou “salvador” ou ainda o “bom aluno”, ou aquilo que internalizamos como missão.
Então a intervenção se faz em dois níveis: o consciente (pensamentos, comportamentos) e o simbólico (o que signo, mito ou padrão interno está sendo ativado?).
Na prática, isso envolve: fortalecer a autocompaixão (ser consigo mesmo como se fosse com outro querido), permitir o erro como parte do crescimento, redefinir o padrão de “deveria” para “posso aprender”. E reconhecer que o valor pessoal não depende apenas de resultados.
Estratégias práticas para lidar com culpa e autocobrança
Agora, passo a apresentar estratégias concretas, para que você possa começar a trabalhar isso no seu dia-a-dia:
1. Pausar e observar o padrão
Primeiro, sempre que sentir que está se cobrando demais ou culpando-se excessivamente, pare por um momento. Pergunte-se: “o que estou dizendo a mim mesmo?”, “isso é realmente justo?”, “qual o padrão de exigência que estou usando?”.
Em seguida, registre no seu diário mental ou físico: “Hoje eu me senti culpado por X porque eu deveria ter feito Y”. Observar o padrão ajuda a desautomatizar a cobrança.
2. Redefinir o “deveria” para “eu posso”
Logo depois dessa pausa, troque o “tenho que”, “deveria”, “preciso” pôr “eu posso”, “eu escolho”, “eu tento”. A exigência se transforma em convite: “posso fazer”, “posso aprender”, “é humano errar”. Assim reduzimos o peso da cobrança e abrimos espaço para o processo.
3. Celebrar conquistas pequenas e simples
Além disso, é super importante reconhecer o que você fez — não só grandes metas, mas pequenos passos. Exemplo: “Eu terminei aquele relatório”, “Eu descansei 30 minutos”, “Eu falei não quando precisava”. Celebrar o progresso (não apenas a perfeição) reforça um modo mais sustentável de viver.
4. Esvaziar o padrão de autopunição
Muitas vezes a culpa vira autopunição: “vou trabalhar dobrado”, “não vou descansar”, “vou me privar”. Para mudar isso, proponho: defina um “direito ao erro”. Se você tropeçar, pergunte-se: “E agora, o que posso aprender?” Em vez de “vou sofrer para compensar”. E lembre-se: sofrer não é comprometimento, é exaustão.
5. Autocompaixão e mindfulness
Finalmente, práticas de atenção plena (mindfulness) + auto compaixão são grandes aliadas. Por exemplo: sente-se 5 minutos, observe os pensamentos de cobrança, reconheça-os (“ah, aqui está a voz que me exige…”), e responda-se com gentileza: “Posso dar conta, sou humano, fiz o melhor que pude hoje”. Essa combinação reduz ansiedade, autocrítica e fortalece a autoestima.
Aplicando no contexto de professores e profissionais que formam outros profissionais
Porque este tema é especialmente relevante para você que forma ou orienta outras pessoas — como professores, psicólogos, formadores.
No contexto educativo e profissional vivemos pressão por excelência e responsabilidades múltiplas.
Por exemplo, constatou-se que “mais de 8,8 mil professores paranaenses foram afastados por sofrimento mental em 2024” em decorrência justamente de sobrecarga, cobrança e esgotamento. Brasil de Fato
Logo, se você atua nesse campo, vale incorporar no seu cotidiano:
- Ferramentas para você mesmo cuidar do seu nível de exigência.
- Espaços de supervisão ou reflexão onde pode verbalizar sua cobrança interna.
- Permissão explícita para que formandos ou alunos saibam que errar é parte do aprendizado.
- Um modelo de vulnerabilidade saudável: mostrar que formação não significa perfeição.
Quando buscar ajuda profissional?
Se você observar que a culpa ou a autocobrança:
- interferem no seu sono, humor, relações, rendimento;
- geram ansiedade constante ou sensação de inadequação permanente;
- transformam-se em autopunição ou evitamento de tarefas;
então é hora de buscar acompanhamento.
Em resumo
Como psicóloga Brunete Gildin, reafirmo que:
- A culpa e a autocobrança são reações humanas, mas quando elevadas podem adoecer.
- Reconhecer, pausar, redirecionar o padrão interno são passos fundamentais.
- A prática diária de autocompaixão, pequenas celebrações e redefinição de metas sustenta uma vida mais leve.
- Para quem forma outros profissionais, cuidar de si mesmo é mínimo ético e pedagógico.
Lembre-se: você não precisa dar conta de tudo sozinho. Merece cuidado, mereço cuidado — e esse cuidado se chama ser humano.
Se quiser, podemos preparar juntos um exercício guiado, ou um roteiro de reflexão simbólica para atuar nessas questões profundas — será um prazer acompanhar.
Como lidar com a culpa e a autocobrança à luz da Gestalt Terapia
A culpa e a autocobrança não são “defeitos” pessoais. Na visão da Gestalt Terapia, elas são ajustes criativos que o organismo desenvolveu para sobreviver em determinados contextos.
O problema não é sentir culpa.
O problema é quando ela vira o único modo de se relacionar consigo mesmo.
A Gestalt não pergunta “por que você é assim?”
Ela pergunta:
“Como isso acontece em você, agora?”
E é a partir desse “como” que o processo de mudança começa.
1. A culpa como tentativa de restaurar contato
A culpa surge quando algo em você percebe que um limite foi cruzado — seu ou do outro.
É um sinal de que:
- houve uma ruptura,
- algo ficou inacabado,
- ou uma necessidade não reconhecida apareceu tarde demais.
Na Gestalt, o foco não é condenar a culpa, mas escutá-la.
Ela aponta para uma parte sua que quer ser vista.
Quando escutamos, ela perde intensidade e vira aprendizado.
Quando ignoramos, ela vira chicote interno.
2. A autocobrança como postura rígida no campo
A autocobrança exagerada geralmente nasce em campos onde:
- a expectativa era alta,
- o erro era punido,
- o afeto dependia de desempenho,
- ou a pessoa precisou amadurecer cedo demais.
Então, no presente, a pessoa continua operando com a mesma lógica:
“Eu só posso existir se eu der conta.”
A Gestalt não tenta “diminuir a autocobrança” à força.
Ela ajuda a pessoa a perceber como, no corpo e na relação, essa exigência se manifesta:
- mandíbula apertada,
- respiração curta,
- postura rígida,
- dificuldade de pedir ajuda,
- incapacidade de celebrar o que fez.
Ao perceber, abre-se espaço para um novo modo de se ajustar.
3. A importância do corpo: onde a culpa mora?
Culpa e autocobrança raramente aparecem só no pensamento.
Elas se alojam no corpo:
- peso no peito,
- dor de estômago,
- tensão no trapézio,
- encolhimento,
- mãos frias,
- respiração presa.
A abordagem gestáltica convida a pessoa a sentir isso com curiosidade, não com julgamento.
O corpo conta a história que a mente tenta acelerar.
Com presença, a culpa deixa de ser “monstro” e vira uma sensação possível de tocar, nomear, transformar.
4. Trazer a culpa para o diálogo
A Gestalt Terapia é profundamente dialógica — culpa e autocobrança são trabalhadas na relação terapêutica, não como conceitos abstratos.
Perguntas que aparecem na clínica:
- “O que essa culpa quer de você?”
- “O que você tenta reparar?”
- “De quem é essa exigência? Sua mesmo?”
- “Como você aprendeu a se tratar desse jeito?”
- “Se essa parte pudesse falar, o que ela diria?”
- “O que acontece em você quando eu te olho enquanto você fala disso?”
A compreensão não nasce de análise intelectual, mas da experiência viva de contato.
5. Diferenciar responsabilidade de autocondenação
A Gestalt faz uma distinção essencial:
- Responsabilidade: reconhecer sua parte na experiência para criar novas possibilidades.
- Autocondenação: se punir incessantemente por algo que já passou ou nem era seu.
Responsabilidade fortalece o self.
Autocondenação fragmenta.
Aprender essa diferença é libertador.
6. A culpa que paralisa e a culpa que transforma
Nem toda culpa é igual.
Culpa paralisante
É aquela que te congela, te diminui e te impede de seguir.
Ela nasce da exigência, não da consciência.
Culpa transformadora
É a que aponta para algo que pede reparação ou mudança real.
Ela abre caminho, não fecha.
A Gestalt ajuda a diferenciar as duas, observando:
- o corpo,
- a experiência emocional,
- e o campo relacional em que a culpa surgiu.
7. Construir apoio para deixar o chicote interno
Ninguém solta autocobrança sozinho.
É preciso apoio:
- apoio relacional,
- apoio corporal,
- apoio de rotina,
- apoio emocional.
Quando o campo ao redor se torna mais acolhedor, o organismo não precisa mais se agredir para funcionar.
A autocobrança diminui naturalmente.
Em síntese
Lidar com culpa e autocobrança na Gestalt Terapia é:
- trazer a experiência para o corpo,
- reconhecer a função que essas emoções tiveram,
- entender como elas se manifestam no aqui-agora,
- diferenciá-las de responsabilidade,
- e reorganizar o modo de se relacionar consigo mesmo.
Não é um processo de “corrigir falhas”.
É um processo de reconectar-se com partes suas que aprenderam a sobreviver através da exigência.
Com afeto,
Brunete Gildin